Entrevista – Brasil, país policialesco

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou o prazo para que a Polícia Federal conclua o inquérito que investiga o presidente da República, Michel Temer.

Depois de concluído, o inquérito passa para o procurador-geral da República, que tem até cinco dias para decidir se oferece denúncia ou pede o arquivamento. O procurador-geral pode apresentar denúncia antes de o relatório da Polícia Federal ser concluído.

O deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA), vice-líder de seu partido e coordenador da Bancada do Maranhão na Câmara, conversou com O Imparcial sobre as consequências desses passos.

Como a Câmara vai reagir diante de uma denúncia do presidente e um pedido de autorização para processar o presidente da República?

Isso não é algo comum. O presidente da República tem uma certa imunidade, ele não responde por nenhum processo por crime cometido, por exemplo, durante o mandato. Só pode responder por crime em função do exercício. Vou te dar um exemplo absurdo: se o presidente atira em alguém, ele não responde por aquilo durante o seu mandato.
A nossa Constituição prevê imunidade ao presidente para ele poder exercer bem seu cargo, o que aparente se avizinha, é uma denúncia por crime durante o mandato, em função do exercício do mandato, e aí isso que tem que ser investigado.
É muito ruim quando misturamos a pauta da política com a pauta da polícia e do Judiciário. São duas raias diferentes. O ideal é que cada coisa fique no seu campo específico. Eu vou me manifestar sobre a denúncia completamente quando ela chegar, e se ela chegar. Se eu me antecipasse e dissesse que vou aceitar ela o rejeitá-la, ao meu ver, seria um julgamento político.
A autorização é uma decisão política da Câmara dos Deputados. Neste caso, diferente do impeachment, o processo nem vai para o Senado. Vai para o Supremo Tribunal Federal para julgar. Mas nós parlamentares devemos fazer uma avaliação jurídica, dentro de uma casa política. Então o ideal é que tenhamos prudência, nem acobertar, nem defender. Nem absolver sumariamente, e tão pouco pouco condenar.

O Governo afirma que esse deva ser um processo rápido, para não paralisar a gestão. Eles defendem que o Congresso volte a votar as medidas que estão em pauta. O senhor acredita que este deve ser um processo rápido?

Há muitos pontos a serem esclarecidos em relação a delação da empresa JBS. Primeiro que delação por si só não é prova. É necessário que se tenha outros elementos. Segundo a impressão que se dá, é que essa foi uma delação prime.
Surgiu uma nova característica, um novo tipo de delação, onde o delator, que é um criminoso, confessa e ganha tantos benefícios ao ponto que levar o cidadão comum achar que o crime compensa. Não é esse o nosso objetivo e nem o nosso desejo.
Entretanto eu só tenho que ressaltar que a celeridade não ajuda o presidente Michel Temer. O ideal é que respondesse ao processo, apresentasse a sua defesa, coisa que não fez na fase da Polícia Federal, para que não recaísse nenhuma dúvida. Ele exerce o principal o cargo do país, e por isso não podemos ter nenhum tipo de suspeita. Impedir que o processo tenha seguimento agora, aguardar 2019, é persistir na dúvida.
Afinal de contas: tinha dinheiro ou não na mala? A mala foi destinada a quem? Até agora não houve o contraditório, nem ampla defesa. Ainda que ele não esteja envolvido em nenhum decisão atos, ele tem que comprovar. As garantias constitucionais serão exercidas na fase do processo, e não na fase da investigação.
Por isso acredito que a pressa prejudica a ampla defesa de Michel Temer. Quem não deve, não teme. E quem não tem nada a temer, deve responder ao processo, isso é o que daria maior lisura. Rui Barbosa já dizia: “a justiça tardia não é justiça”. Porém, a justiça muito rápida também é uma distorção.
O ideal é que a sigamos o cronograma da Constituição, o cronograma do Regimento Interno da Câmara, passando por todas as etapas, nem tendo muita pressa, nem amarrando demais o processo.

Sobre a gravação do Joesley Batista, a defesa do presidente e o próprio Temer, insistem que essa é uma gravação feita de forma ilegal. Ele não quer responder nada até que se prove que as fitas não foram adulteradas. O que o senhor diz sobre isso?

Precisamos fazer uma restrição a este estado policialesco que vivemos hoje no Brasil. Onde primeiro se pune, inclusive através do meios de imprensa e sociedade, para depois apurar. Precisamos reconhecer e combater a corrupção, sim. Mas temos limites, e estes se encontram na própria Constituição Federal. É ela que nos protege, inclusive, de eventuais excessos, contra nossos adversários hoje, e amanhã, contra gente.
Eu não vi muitas reclamações quando uma gravação da presidenta Dilma Rousseff, com presidente Lula, foi parar no Jornal Nacional, uma hora depois de ter sido gravada. Agora todo mundo reclama.
De fato há muita dúvida se a ação controlada, onde um real investigado vai lá e grava um terceiro, autorizado pela Justiça, não se confunde, por exemplo com flagrante preparado. O Supremo Federal tem até reconhecido o flagrante preparado. Eu confesso que tenho dúvida. Como também tenho dúvida se delações tão flexíveis não se aproxima muito mais da anistia graças ao indulto, que são medidas típicas do Poder Legislativo. Mas não do Ministério Público e do Judiciário.
Neste acordo de delação, houve praticamente uma extinção da punibilidade. Houve uma premiação. Essas são dúvidas que deixamos para o debate acadêmico, nas salas de direito constitucional, onde eu faço esta restrição e ressalva, desde lá atrás, e agora mantenho a minha opinião.
Agora neste caso político, eu espero que se houver a denúncia, não seja baseada apenas em uma gravação não periciada. A delação por si só não é o suficiente pra se condenar ninguém, e talvez nem para se fazer uma denúncia.
Por isso que nós temos que aguardar a manifestação formal, a denúncia ou não por parte do PGR, para que possamos saber como proceder. Essa denúncia, ao meu ver, é algo pouco comum no Brasil. Apesar de tanta as crises políticas que nós já tivemos, em vários momentos, talvez essa seja a primeira vez que um presidente pode vir a ser denunciado no exercício do cargo, por um crime comum. não é uma situação simples, ocasional, vacilante. Muito pelo contrário, é algo grave que merece ser apurado da forma devida.
Só pra termos uma noção, a dupla vacância dos dois cargos de presidente e vice não ocorre no Brasil desde Getúlio Vargas e Café Filho. Então é muito tempo. Nós tivemos, inclusive, Jânio Quadros e João Goulart, mas não ocorreu a dupla vacância. O segundo foi interrompido mandato. Não foi uma dupla vacância por impeachment, por renúncia ou por morte.
Em outros tempos, porém, uma crise política dessa era resolvida na faca ou na bala. Hoje não mais, pois as instituições funcionam, temos a Constituição Federal como parâmetro, e é isso que vai nos balizar.

O congresso passou há pouco mais de um processo de impeachment, uma votação bastante desgastante. Como o senhor acha que será este processo?

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) irá dar um parecer, não vinculativo ao plenário. O plenário é soberano, mas nasce na CCJ a fase da ampla defesa. Ninguém pode tomar uma decisão de afastar ou não o presidente da República sem que dê oportunidade a defesa. O quórum no plenário é especialíssimo, ou seja, 2/3. É o maior da nossa Constituição para estes casos.
Diferente do processamento em crime de responsabilidade, que quando é oferecida denúncia pelo cidadão comum, junto à Câmara, o presidente da Casa tem que fazer um juízo de admissibilidade. O presidente Temer já tem mais de 20 pedido de impeachment na Câmara.
Já denúncia por crime comum, é diferente. Quando apresentada, o plenário tem que ser consultado, seguindo o regimento. No impeachment quem julga é o Senado. Quem julga crime comum quem julga é o Supremo.
A fase na Câmara dos Deputados é de autorização política, para evitar algum caso de conluio ou uma tentativa de atalho a Constituição. Foi o que, ao meu ver, aconteceu na época da impeachment da presidenta Dilma Rousseff, onde havia sim uma arregimentação feita pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, com vice-presidente Michel Temer.
O tempo confirmou só depois. o próprio Temer falou se o PT tivesse voltado a favor da cassação do Cunha, não teria tido impeachment. objetivo dessa autorização política evitar que isso aconteça inclusive agora, em caso de processos por crime comum.
A gente está na fase da especulação, certezas só quando ocorrer ou não o pedido de denúncia. A Câmara, onde estão os representantes do povo, autoriza ou não que o processo dê andamento.
Se a Casa resolver não dar a autorização, o processo fica suspenso. Não é necessariamente o caminho da impunidade, mas este processo só voltará a andar ao final do mandato. O presidente escapou da pauta eleitoral, sendo muito contestado. A pauta criminal agora que ele vai começar. O que o Brasil precisa saber é que Michel Temer não é o Itamar Franco. Ele não conseguiu fazer a transição e dar estabilidade ao país. Ele é um ex-presidente em exercício. Está com seus dias contados, e é por isso que o PCdoB defende: Fora Temer!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *